Poucos pedestres se arriscavam na Avenida Hercílio Luz, no Centro de Florianópolis, na manhã chuvosa desta sexta-feira (17). Os comerciantes ainda usavam baldes para retirar a água e calculavam os prejuízos com as chuvas do dia anterior, que fizeram a rua se tornar um córrego em poucos segundos.
Cleyton Santos, de 42 anos, é proprietário do mini mercado Oliva há dois anos e estava sozinho quando a enchente começou a invadir a loja, por volta das 14h de quinta-feira (16).
“Em cinco minutos, a água subiu. Foi muito, muito rápido. Só tive tempo de fechar as cortinas e a porta, levantar as coisas e botar panos para segurar”, lembra.
O empresário conta que seus pés ficaram submersos na lama e ele rapidamente desligou a energia para não perder as máquinas que estavam plugadas na tomada.
“Nunca tinha visto subir dessa maneira. Isso que eu moro aqui na região há 15 anos”, afirma Cleyton Santos.
Os veículos na Hercílio Luz produziam ondas que inundavam ainda mais os estabelecimentos. “Os caminhões passavam e jogavam muita água”, relata o dono do mini mercado.
O estoque de produtos ficou a salvo e o maior prejuízo foi a sujeira: “Tinha muita lama, com cheiro de esgoto. Foi terrível”. O proprietário contou com a ajuda dos vizinhos para limpar o local na noite de sexta-feira.
“O pessoal foi muito parceiro. Meu Deus do céu, só tenho a agradecer a eles”, diz. Assim que a limpeza terminou no mercado Oliva, Cleyton Santos partiu para ajudar a equipe de um pet shop do outro lado da rua.
Prejuízo com as chuvas no Centro de Florianópolis chega a R$ 10 mil, estima empresária
“Cuidado para não escorregar”, alerta a proprietária Andressa Ruckhaber, 36 anos, ao abrir as portas do pet shop Patas e Raízes.
A loja na Avenida Hercílio Luz foi invadida pela água, que chegava à altura dos joelhos dos funcionários. A empresária perdeu um terço do estoque e calcula um prejuízo de R$ 10 mil com as chuvas de quinta-feira.
Ela havia acabado de sair para levar o filho de 10 anos em casa quando o local foi inundado e só conseguiu voltar no fim da tarde. A angústia aumentou quando recebeu as imagens da situação.
“Foi um desespero, a gente não conseguiu dormir essa noite”, relata a dona. “Eu estava longe, com aquela sensação de impotência, mas sabendo que não ia ter muito o que fazer também”.
O pet shop Patas e Raízes, localizado na Hercílio Luz há 18 anos, perdeu produtos como tapetes, ração, areia para gatos e camas. Os cinco funcionários usaram sacos de areia para segurar a porta, que era pressionada pela força da água toda vez que um veículo passava.
Ainda havia três cachorros no banho e tosa no andar de cima e os donos só conseguiram buscar depois das 18h. “Alguns estavam muito assustados por conta dos trovões, mas nossa equipe ficou lá em cima com eles, deixaram soltos e conseguiram passar por essa”, relata Andressa Ruckhaber.
A motocicleta da empresária estava estacionada na rua e quase foi carregada pela enxurrada, se não fosse por um porteiro que a alcançou. Quando Andressa voltou ao pet shop, os funcionários já haviam retirado metade da água.
“Cheguei e a rede de vizinhos já estava toda aqui dentro, todo mundo se mobilizando, ajudando”, celebra. “A rede de apoio que a gente tem aqui na Hercílio Luz é uma coisa gigante”.
Mesmo com a ajuda, não foi possível receber clientes nesta sexta-feira. “Ficamos limpando, puxando com rodo, tirando o grosso. Mas ainda tem muita sujeira que precisa limpar. O cheiro do barro está ficando muito forte”, relata a proprietária.
‘Já estou acostumado’, diz dono de tradicional restaurante na Hercílio Luz
Não é a primeira vez que o restaurante Caiçara, aberto na década de 1980 na Hercílio Luz, é alagado pelas chuvas. O proprietário Munir Nunes, de 64 anos, afirma que já viu enchente “bem pior” em 1984.
Ele atribui o alagamento ao acúmulo de lixo, que bloqueia o escoamento. Quando o buffet a quilo foi criado, a avenida era atravessada pelo canal do Rio da Bulha, coberto por uma laje de concreto em 2005.
“Ninguém mais limpou ali. Isso que está trancando, dando esse tipo de enchente novamente e qualquer chuva forte que der aqui agora vai alagar de novo. A gente sabe porque naquela época já era assim”, conta.
A chuva de quinta-feira “já foi o suficiente para fazer um bom estrago”, diz o empresário Nunes. Ele precisará trocar o balcão do buffet, cuja madeira inchou por causa da água.
“Na época que eu fiz esses balcões, já fiz mais elevado para evitar que a água chegasse até ali, mas dessa vez chegou porque não deu tempo de botar a tábua na porta”, lamenta.
Havia sete pessoas ali no momento da enchente, inclusive idosos, que são clientes fiéis do restaurante. “Teve uma senhora que eu não deixei sair porque estava cheio, eu disse para ela ficar sentada e ela ficou esperando a água baixar”.
Após a limpeza na manhã desta sexta-feira, o Caiçara está de portas abertas ao público novamente. Questionado se teme a volta da inundação, Muniz Nunes responde: “Não, porque eu já estou acostumado com isso”.
A chuva voltou a engrossar por volta das 11h. Em um posto de gasolina próximo, os funcionários observaram apreensivos. “Começou, está enchendo de novo”, anunciaram. Enquanto um dos rapazes passava pano no chão, outro ria: “Tu tá secando? Não adianta”.
Na tarde de quinta-feira, cerca de dez alunos ficaram ilhados na nova unidade da academia Pratique, aberta na segunda-feira (13) em frente ao restaurante Caiçara. A entrada fica alguns degraus acima da rua, por isso não inundou.
“A água não estava entrando, mas estava bem alta. Como passava caminhão e ônibus, eles jogavam a água aqui para dentro”, lembra o gestor Antônio de Paula, de 58 anos.
A academia foi limpa e reaberta às 19h do mesmo dia. “A gente teve que correr e tirar tudo. Fizemos um mutirão”, conta.
Os clientes precisaram esperar a água baixar, mas conseguiram sair pela porta dos fundos, que dá em outra rua. Já o gestor dormiu ali mesmo: “Sem condições de voltar para casa”.
Depois da tempestade, quando o sol finalmente deu as caras em torno de 11h desta sexta-feira, a Hercílio Luz já não parecia mais a mesma. Moradores saíam de bermuda e óculos escuros para passear com os cachorros.
Andressa Ruckhaber e o marido Lauro usavam rodos para expulsar a água suja do pet shop, com a esperança de abrir a loja normalmente na próxima segunda-feira. Dois clientes se sentavam para almoçar no Restaurante Caiçara. “Agora é tocar a vida em frente”, diz Nunes.