O que foi o Comando de Caça aos Comunistas, grupo de extermínio que existiu durante a ditadura militar


Organização atuou nos anos 1960 e 70 com ataques a artistas, estudantes e militantes de esquerda; nome se assemelha ao de grupo acusado pela PF de assassinatos sob encomenda em 2024. Rodrigo Pacheco era alvo de grupo de espionagem e extermínio
A operação da Polícia Federal que prendeu, nesta quarta-feira (28), cinco suspeitos de envolvimento no assassinato do advogado Roberto Zampieri, em Cuiabá (MT), revelou que o grupo investigado se autodenominava “Comando de Caça aos Comunistas, Criminosos e Corruptos” — ou simplesmente C4.
Além do advogado, o grupo de extermínio teria como alvo o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e cobrava para espionar autoridades, como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) (leia mais).
🔎 O nome do grupo se assemelha ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), grupo de extrema-direita que atuou durante a ditadura militar brasileira.
O CCC surgiu no início dos anos 1960, pouco antes do golpe de 1964, e se consolidou como uma organização formada por estudantes conservadores, policiais, militares e civis.
O grupo promovia ações violentas contra militantes de esquerda, artistas e representantes de movimentos sociais. Suas ações iam desde ameaças e perseguições até agressões físicas e depredações de espaços públicos e culturais.
Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em julho de 1968, quando integrantes do CCC invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, durante a apresentação da peça Roda Viva, de Chico Buarque.
“Entraram quebrando os espelhos, arrancaram minha roupa, deram socos. Saí correndo, me desviando de socos. No corredor havia mais rapazes, e enquanto fugia eu sentia cassetetes nas costas”, descreveu a atriz Marília Pêra, no livro “Vissi D’Arte” (1999), biografia escrita pelo dramaturgo Flavio de Souza e pela própria atriz.
Atuando fora das estruturas oficiais do Estado, o CCC compartilhava ações com o regime militar e, em muitos casos, operava com tolerância — ou até apoio — de autoridades. Com o endurecimento do regime após o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, parte dos integrantes do grupo passou a compor os órgãos oficiais de repressão, como o DOI-CODI e o Serviço Nacional de Informações (SNI).
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 2014, o grupo praticou “agressões físicas e ameaças”. O documento aponta que vários de seus membros migraram para a repressão estatal nos anos seguintes.
Entre os principais integrantes do CCC estavam João Marcos Monteiro Flaquer, advogado e líder do grupo, responsável por coordenar diversas ações violentas, incluindo a invasão do Teatro Ruth Escobar. Raul Nogueira de Lima (“Raul Careca”), policial civil e integrante do CCC, esteve envolvido em casos de tortura e assassinato durante a ditadura e Cássio Scatena, que também participou de ações do CCC e foi condenado por homicídio em 1978.
Assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto
O assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto, em 27 de maio de 1969, em Recife (PE), também é um dos casos de violência política no início da ditadura militar atribuídos ao CCC. Padre Antônio era assessor direto de Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e atuava na coordenação da Pastoral da Juventude, com ações voltadas à inclusão social e formação política de jovens católicos.
Na noite de 26 de maio, após participar de uma reunião no bairro do Parnamirim, o padre foi sequestrado ao entrar em uma Rural Willys verde e branca. Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte em um matagal da Cidade Universitária, com sinais de tortura: queimaduras, cortes profundos, castração, estrangulamento e ferimentos por arma de fogo.
Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, padre Henrique não tinha filiação partidária, mas passou a ser vigiado por órgãos de segurança após celebrar uma missa em memória do estudante Edson Luís, morto em 1968 pela polícia no Rio. A partir de então, começou a receber ameaças atribuídas a integrantes do CCC.
A primeira versão oficial atribuía o crime a “toxicômanos” — usuários de drogas —, mas documentos do próprio Serviço Nacional de Informações (SNI), datados de 1970, apontavam outra direção: o assassinato teria sido cometido por jovens de direita com apoio de agentes da Polícia Civil, usando um veículo oficial. Entre os acusados estavam policiais e promotores com ligações com grupos de repressão local.
A mãe do padre, dona Isairas Pereira da Silva, afirmou em depoimento que o filho vinha sendo ameaçado por militantes do CCC. Nos anos seguintes, o inquérito do caso do assassinato de Padre Henrique foi arquivado e reaberto várias vezes, mas sem conclusão.
O término da investigação aconteceu mais de quatro décadas depois do crime, quando o crime foi esclarecido pela Comissão Nacional da Verdade, que atribuiu a morte do padre a um crime político.
Os detalhes foram apresentados no relatório do Volume 2 do Caderno da Memória e Verdade da Comissão, em cerimônia realizada na Capela São José dos Manguinhos, na Zona Norte do Recife, em maio de 2014.
Newton Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues, vinculado ao CCC em Pernambuco ainda como estudante, foi apontado como um dos torturadores e executores do padre, ao lado do também estudante Rogério Matos do Nascimento e do então delegado Raul Nogueira de Lima.
Em 2024, o nome e a retórica se assemelham ao grupo investigado por atuar como milícia privada. A Polícia Federal afirma que o C4 foi contratado para o assassinato do advogado Roberto Zampieri, em Cuiabá, ocorrido em dezembro de 2023. Os investigadores encontraram documentos com uma tabela de preços para execuções, que variavam conforme o perfil da vítima, além de menções a autoridades do Judiciário.
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