
Entidades da sociedade civil criticam decisão e falam em racismo religioso. Prefeitura diz que o entendimento é que a saúde pública se baseia em ciência e que o estado é laico. Prefeitura do Rio revogou resolução que reconhecia práticas de matriz africana no SUS
Maria Júlia Araújo/g1
O prefeito Eduardo Paes (PSD) revogou, na última terça-feira (25), uma resolução que reconhecia práticas tradicionais de matriz africana como complementares ao SUS no Rio de Janeiro.
O intervalo entre a publicação da resolução e a revogação foi de apenas 6 dias, uma vez que a portaria no Diário Oficial do município havia sido publicada no dia 19 de março.
Procurada pelo g1, a Prefeitura do Rio informou que a decisão prioriza o estado laico, e que políticas de saúde devem ter uma abordagem científica (veja a nota completa ao fim da reportagem).
A mudança de posicionamento causou uma repercussão negativa entre algumas entidades da sociedade civil. As organizações veem a medida como um retrocesso, dizendo que ela reforça a intolerância religiosa e o racismo.
A publicação, assinada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) e pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), detalhava o reconhecimento de manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e unidades territoriais tradicionais como promotores de saúde e cura complementares e integrativos ao SUS.
Ela listava diversas práticas como banhos de ervas, defumação, benzedeiras, chás, escalda-pés, ebó e reconhecia automaticamente as unidades territoriais tradicionais cadastradas no Programa Casas Ancestrais como área de abrangência da unidade de saúde.
A resolução também especificava os segmentos religiosos abrangidos — como Umbanda, Candomblé e Catimbó, entre outros — e enfatizava a responsabilidade de todos na Atenção Primária em realizar abordagem diferenciada e respeitosa, considerando as tradições dos indivíduos.
Resolução listava diversas práticas como banhos de ervas, defumação, e outros
Dominik Giusti/G1
Entidades veem medida como retrocesso
A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) publicou em suas redes sociais uma nota de repúdio sobre o caso.
“A Renafro Saúde reafirma seu compromisso na defesa dos direitos das comunidades tradicionais e seguirá mobilizada para reverter esse ataque ao respeito, à diversidade e à justiça social. Exigimos que a Prefeitura do Rio de Janeiro revogue esse decreto e respeite os avanços nas políticas de saúde para os povos de terreiro”, afirmou a organização em nota.
A organização também alega que essa medida ignora diretrizes nacionais importantes e representa uma desconsideração das práticas ancestrais, desrespeito à luta contra o racismo religioso e um retrocesso nas políticas de equidade.
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Hédio Silva Júnior, coordenador do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), questiona a razão para a revogação tão rápida da resolução e diz que pretende notificar a prefeitura cobrando respostas sobre essa mudança de posicionamento.
“Um caso raro em que uma resolução fica em vigor por menos de uma semana. A pergunta que se faz é: qual é a razão pelo não reconhecimento na contribuição pela saúde? Pretendemos notificar extrajudicialmente a Prefeitura do Rio cobrando respostas”, aponta Hédio.
Para Hédio, a revogação legitima uma supremacia racial e religiosa no Brasil.
“Quando a medicina legal foi instaurada, por volta de 1940, o Estado reprimia os erveiros e seu conhecimento fitoterápico brasileiro, um conhecimento histórico conhecido publicamente pelas religiões de matrizes africanas. O que está em vigor é uma legitimação da supremacia racial e religiosa no Brasil, dada a intolerância religiosa em respeito às religiões de matrizes africanas”, acrescentou.
Nota da Prefeitura do Rio
“A Prefeitura do Rio informa que a resolução conjunta das secretarias de Meio Ambiente e Clima (SMAC) e Saúde (SMS) foi revogada, em 25/03, no Diário Oficial, com o entendimento de que saúde pública é realizada baseada em ciência. Além disso, a revogação parte do princípio de que o Estado é laico e não deve misturar crenças religiosas em políticas públicas de saúde.”