Personal stylist Sílvia Tavares diz que hoje faz terapia e toma antidepressivos. ‘Deus tem um propósito na minha vida. Porque eu já soube que há outras vítimas. Mas ninguém teve coragem de botar a cara na televisão e de ir para a delegacia’. Sílvia Tavares acusa o padre Airton e o motorista dele, Jailson Leonardo, de estupro
A personal stylist Sílvia Tavares, que acusa o padre Airton e o motorista dele, Jailson Leonardo da Silva, de estupro, afirmou que, após o suposto crime, ficou mais três dias na Fundação Terra, para tentar obter provas do abuso. Ela contou que, por causa da devoção que tinha pelo religioso, não acreditava no que tinha acontecido. “Para mim, ele era um santo”, disse (veja vídeo acima).
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O crime, segundo Sílvia, aconteceu no dia 18 de agosto de 2022, na casa em que o padre dormia na Fundação Terra. Essa ONG foi criada pelo padre Airton há 37 anos, em Arcoverde, no Sertão. O objetivo era resgatar a cidadania dos moradores da região, que vivam na extrema pobreza.
Sílvia afirmou ter sido abusada pelo motorista, a mando do padre, que teria se masturbado vendo a cena. O caso, que aconteceu durante um retiro espiritual, é investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de Pernambuco.
A mulher contou que, logo depois de ter sido estuprada, tomou banho ordenada pelo padre e foi levada para o refeitório da Fundação Terra. Lá, encontrou o marido, mas ficou calada com medo que ele, com raiva, tentasse matar o padre e fosse morto.
“Eu pensei: ‘bem, se eu for com meu marido e contar para ele naquela hora que tinha acontecido, ele simplesmente mataria [o padre]’. E seria a coisa mais simples do mundo, porque a gente estava no refeitório, o que não faltava ali era faca. Ele mataria. E matando, evidentemente morreria, e, de tabela, eu também. Eu disse: ‘não, vai ter três mortes’. Decidi ficar calada”, afirmou.
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Sílvia Tavares
Reprodução/TV Globo
Sílvia iria embora do retiro nesse dia, mas decidiu ficar mais, mesmo abalada.
“Eu fiquei ali porque queria provas, porque aquilo, para mim, era surreal. Eu não acreditava no que estava acontecendo. Eu pensava: será que eu dormi tarde, perdi o sono, algo assim? Eu queria uma justificativa, porque não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo. Uma pessoa que me chamava de princesa”, declarou.
Após o banho, ela conta que foi levada ao refeitório pelo próprio religioso, na caminhonete dele. De acordo com ela, o padre a ameaçou. “Ele disse ‘se você falar, vai ser pior para você’. Mas o pior para mim seria a morte”.
De lá, Sílvia afirma que foi levada para um lugar onde ficavam as “pessoas importantes”, como os bispos. No local, ela disse que perdeu o controle e quebrou objetos.
“Quebrei guarda-roupa, joguei cama no chão, queria quebrar o vidro do banheiro, mas fiquei com medo de me cortar. E comecei a me morder, porque eu não acreditava no que estava acontecendo comigo. E comecei a tomar banho, me esfregar, me esfregar, dizendo que Deus não existia, fiquei desesperada”.
Sílvia deixou a fazenda apenas no domingo, três dias depois do suposto estupro.
“Fiquei no retiro todo porque eu pensei: se isso aconteceu comigo, é porque Deus tem um propósito na minha vida, eu fui escolhida para estar aqui. Porque eu já soube que há outras vítimas, eu não sou a primeira. Mas ninguém teve coragem de botar a cara na televisão e de ir para a delegacia”, afirmou.
“Ele é um psicopata, engana as pessoas. Ele não pega qualquer uma, pega a presa mais fácil. Eu estava vulnerável, passando por um problema de saúde, com problemas na família”.
No dia 21 de outubro, Sílvia prestou depoimento na Delegacia da Mulher, no Recife. A Secretaria de Defesa Social designou a delegada Andrezza Gregório, da Delegacia de Afogados da Ingazeira, no Sertão, para coordenar as investigações.
Sílvia afirma que não fez a denúncia antes porque desenvolveu síndrome do pânico.
“Entrei em estado de choque, fiquei com síndrome do pânico, passei 22 dias dentro de um quarto, sem olhar para a cara do meu marido, não queria ver homem nenhum. Só fazia chorar, perdi dez quilos. Fiquei tão louca que nem tomei o coquetel [contra doenças sexualmente transmissíveis]”.
“Hoje eu posso dizer que eu não vivo, eu sobrevivo. Não sou mais aquela pessoa e nunca mais vou ser. Eu só não perdi a fé. Eu quero ver os dois presos. Eu quero justiça. Quero que a máscara dele caia”.
O marido de Sílvia, o comerciante Wellington José Cunha, conta que o acontecido mudou a vida da família.
“Hoje minha esposa faz tratamento e eu também fiz tratamento psicológico. Ela tem muita coragem. Se acontecer com outras mulheres, têm que denunciar, mostrar a cara”.
Sílvia contou que hoje toma antidepressivos e faz terapia. “Enquanto eu tiver vida, eu vou lutar pela justiça”.
Relação de proximidade
Silvia e padre Airton tinham uma relação próxima
Reprodução/WhatsApp
A mulher contou, em entrevista à TV Globo, que conheceu padre Airton em 2019. Desde então, mantinham uma relação próxima e de admiração. Sílvia afirma que ficou interessada pelo que ouvia sobre o padre e que, no início, tinha ido atrás dele porque buscava ajuda espiritual para tratar uma depressão, mas ficou “encantada com as palavras dele”.
A devoção de Silvia pelo padre Airton fez com que ela tatuasse uma homenagem ao religioso. No antebraço esquerdo, ela tem a cruz símbolo da fundação e a frase “Padre Airton. Creio em Deus pai”. “Eu como idiota, imbecil, me reconheço. Porque eu era cega por ele”, disse.
Ela, que mora no Recife, visitava a Fazenda Malhada, que fica na Fundação Terra, em Arcoverde, ao menos três vezes por mês, sempre acompanhada do marido ou de uma amiga.
Com o tempo, a proximidade entre ela e o religioso foi aumentando, e Airton demonstrava mais carinho por ela, a chamando de “minha princesa”. A relação entre os dois mudou após o que ela havia definido como um “milagre”.
Há cerca de dois anos, Silvia teve uma isquemia cerebral e ficou com os movimentos da face comprometidos. Foi então que ela procurou a ajuda do padre.
“Teve a missa, o terço da misericórdia e ele me chamou num lugar reservado. Lá, ele botou a mão no meu rosto e só disse assim: ‘minha princesa, pense em Deus, não precisa rezar'”, lembra Sílvia. Segundo ela, após isso, a boca desentortou e ela foi curada.
A partir disso, Silvia afirma que começou a idolatrar o padre e que fazia de tudo para visitar e ajudá-lo nas ações de caridade.
Tatuagem de Sílvia Tavares em homenagem à Fundação Terra e ao padre Airton Freire
Reprodução/TV Globo
Tratamento diferenciado
Silvia afirma que o padre era visto como um santo pelos fiéis que frequentavam a fundação, e que ninguém tocava nele por respeito.
“A primeira vez que fui encostar nele, a seminarista disse: ‘não pode tocar, num santo não se toca’ […] Aí foi quando ele abriu a boca e disse: ‘deixe a minha princesa. Aqui ela pode fazer tudo'”, lembra.
Ela conta que o padre mostrava bastante afinidade, de forma diferente do que fazia com outros fiéis, com beijos e abraços frequentes.
“Podia ter cem pessoas na fila que, quando eu chegava, ele dizia: ‘Minha princesa chegou? Então passa ela na frente’, e eu passava”, disse.
Devido ao trabalho, ela também conta que passou um tempo sem fazer visitas, mas resolveu fazer o retiro espiritual em agosto 2022, com o marido e uma amiga. Foi nesse retiro que, segundo ela, aconteceu o estupro.
“Ele disse: ‘Tem um homem aí que se encantou por você’, aí, eu olhei para ele e disse: ‘Padinho, que papo é esse? Eu sou casada, meu marido está lá fora. Ele botou a mão na minha perna e disse para eu deixar para lá”, lembra Sílvia.
Ela conta que, uma noite, um dos seguranças do padre disse que Airton queria conversar com ela. O padre enviou um áudio combinando o encontro.
Silvia e padre Airton, em uma das visitas dela à Fundação Terra
Reprodução/WhatsApp
No dia seguinte, o segurança a levou para encontrar com o sacerdote, na “casinha”, a residência onde ele mora, que fica isolada da fundação.
Cronologia do crime, segundo Sílvia Tavares:
Em 17 de agosto de 2022, padre Airton mandou um áudio para Sílvia, pedindo que ela fosse à “casinha” às 6h30 do dia seguinte.
O motorista Jailson levou a mulher para o local, onde o padre estava deitado de bruços, coberto com um lençol de seda.
Ele pediu uma massagem e, mesmo estranhando o pedido, a mulher fez, mas se assustou ao perceber que, sob o lençol, ele estava sem cueca. Ela, então, saiu da cama.
Em seguida, Jailson se aproximou da mulher com uma faca e a ameaçou. Enquanto se masturbava, o padre ordenou que ele a estuprasse.
Com o próprio celular, o padre tirou fotos da mulher e de Jailson nus, juntos. Depois, acariciou os órgãos genitais do motorista e mandou que eles tomassem banho.
O que diz o padre Airton Freire
A defesa do padre Airton Freire de Lima enviou uma nota para o g1 na qual o sacerdote “nega a prática de qualquer ato ilícito e reafirma inocência”.
O padre diz que não são verdadeiras as alegações dirigidas a ele e lamenta “ter sido alvo de acusações infundadas e injustas e já constituiu advogados para exercer sua defesa”.
Na nota, o padre Airton diz também que considera “que o afastamento determinado pela Diocese de Pesqueira permitirá que as apurações transcorram com toda a tranquilidade necessária para que se apure a verdade sobre os fatos”.
A Diocese de Pesqueira também foi procurada pelo g1, mas informou que não vai se pronunciar sobre o caso para além da suspensão aplicada ao padre.
A reportagem tenta descobrir quem é o advogado responsável pela defesa de Jailson Leonardo da Silva.
A Polícia Civil afirmou que “está empenhada nas investigações, atuando de forma técnica e com compromisso”. A corporação também disse que, “no momento, não é possível fornecer mais informações, pois o caso segue sob segredo de Justiça”.
Procurada pela reportagem, a Fundação Terra não se pronunciou.
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