Personagem de Alessandra Maestrini foi criada pela atriz a partir de conversas com moradores de cidade do sudoeste do Paraná. Pós-doutora explica origem de expressão “daí”, marca de Bozena. Confira momentos da personagem Bozena.
Com um sotaque inconfundível, a empregada doméstica Bozena, da série Toma Lá Dá Cá, da TV Globo, conquistou os brasileiros por sua originalidade entre os anos 2007 e 2009.
E quase duas décadas após a obra, a personagem continua lembrada por seus bordões, como o famoso “Lá em Pato Branco, daí”. Até hoje, vídeos de cenas da personagem são publicados e rotineiramente viralizam nas redes sociais. Relembre acima.
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Uma das marcas registradas que levaram o destaque da personagem Bozena foi a pronúncia forte da letra “R” nas palavras, que forma um dos sotaques que ressoa há anos no Paraná, especialmente no interior – e que surgiu após a chegada de imigrantes de diferentes regiões, especialmente poloneses.
No “Sudoeste do Paraná”, como esbravejou a personagem em um dos episódios ao defender a origem do sotaque, está o município de Pato Branco, que foi o laboratório da atriz para a criação que rendeu a ela o primeiro sucesso na televisão.
Veja nesta reportagem:
Processo de criação da personagem
A origem do ‘daí’ e do “R” marcado das palavras ditas por Bozena;
Pato Branco e a receptividade com atriz, para eles, a eterna Bozena;
Emocionante: Alessandra interpreta reação de Bozena se soubesse que é ‘famosa’
Atriz Alessandra Maestrini interpretou a personagem Bozena, em ‘Toma Lá, Dá Cá’
Reprodução
1. A criação da personagem
Atriz explica como foi processo de criação da personagem Bozena
Em entrevista o g1, Alessandra Maestrini contou sobre todo o processo para interpretar a personagem Bozena. Ela lembra que recebeu de Miguel Falabela, autor da obra, a missão de falar e se expressar como uma tal “Rute”, de Pato Branco, que o artista encontrou em uma viagem ao Paraná.
A ideia era uma personagem mais seca, dura, pela condição social de empregada doméstica, mas que guardasse, ao mesmo tempo, com orgulho, as lembranças e tradições de sua terra natal, em especial na forma de transmiti-las e pronunciá-las, mesmo que em solo carioca, onde se passava a série.
“O ‘R’ que eu peguei foi realmente o ‘R’ dos descendentes de poloneses que estão muito presentes também no interior do Paraná, inclusive no sudoeste do Paraná, onde fica Pato Branco”, explicou a atriz.
O sotaque característico e bem distinto aos ouvidos em grandes centros urbanos fora da região Sul despontou com sucesso na trama por carregar características originais dos falantes, garantidas por meses de estudo da atriz.
Alessandra Maestrini com o amigo, miguel Falabella
Reprodução/Instagram
Maestrini é de Sorocaba, no interior de São Paulo. Sem conhecer as características paranaenses a fundo, ela buscou referências sobre os “jeitos de falar”, em especial na região de onde personagem saiu.
Em pesquisas, uma das primeiras coisas que notou foi que os moradores da região pronunciam as palavras exatamente como se lê.
“Sendo ela de uma classe social menos favorecida, tem essa dureza também da vida que a construiu. Então ela tem sotaque que é o do Paraná, que é o de Pato Branco e tem o sotaque de Bozena, que é uma [mulher] que teve que empurrar a vida. Ela tem um jeito meio prognata de mostrar que ela é forte”, contou.
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2. A origem do ‘daí’ e o ‘R’ marcado das palavras de Bozena
Alessandra Maestrini desfilou na Sapucaí vestida da personagem Bozena
Roberto Filho/Brazil News
A pós-doutora em letras e autora do Atlas Linguístico do Paraná, Vanderci Andrade Aguilera, explica que o “R” com som mais forte em palavras da personagem é característico não apenas dos moradores de Pato Branco, mas também de outras regiões do estado.
A origem, segundo a doutora, é fruto de adaptação à língua português por parte de imigrantes que colonizaram o estado, vindos de diferentes regiões do mundo, em especial da Europa.
“Tanto os italianos como os alemães, poloneses, ucranianos, russos, que vieram para essa área, eles adaptaram a sua fala e alguns não conseguem pronunciar o ‘R’ múltiplo para o ‘carro’, que falamos lá no fundo da garganta. Para eles é ‘caro’”, explicou a linguista.
Além do “R” mais destacado, a personagem também usava o famoso “daí” para finalizar frases.
Maestrini contou ao g1 que o introduziu a palavra ao vocabulário após perceber que ela era usual para moradores de Pato Branco – mesmo que, no começo, a atriz não tenha entendido exatamente o objetivo do uso dela na formação das frases.
O primeiro contato com o “daí” foi durante as pesquisas. Ela conta que ligou para um grupo folclórico de danças polacas e, ao final de todas as frases, o homem com quem conversou usava a palavra como uma espécie de ponto final. Ela então o questionou sobre o porquê dele não finalizar as frases e sempre usar o “daí”.
“Eu falei ‘daí conclui-se que … e você não conclui’. Ai ele me falou ‘Ah, não, isso é porque aqui no Paraná, quando a gente fala ‘daí’, quer dizer que a frase acabou ‘daí’. Depois disso, eu falei para o Miguel ‘eu vou botar o daí, vou terminar as histórias tudo com daí’ e ele [Miguel] me falou ‘você tá doida’ e eu insisti ‘vai funcionar, vai por mim’”, detalhou Maestrini.
Elenco de ‘Toma lá, dá cá’ posa para foto na gravação do último episódio, em novembro de 2009
Thiago Prado Neris/TV Globo
A sacada deu certo. O “daí” da personagem se tornou uma das principais marcas da pato-branquense Bozena.
Para Vanderci, uma teoria ainda sem base científica, mas que ela defende, é a de que o uso da palavra tem relação com a adaptação de línguas de estrangeiros e descendentes que viveram na região.
“Nós usamos o ‘daí’ pra marcar lugar, ‘saia daí’. Ou então, o tempo: ‘Fui ao cinema’, ‘Eu fui para tal lugar’. O que acontece com esse provável falante estrangeiro? Veja na frase: ‘Comprei vestido e fui ao cinema, daí’; ela só transpôs esse ‘daí’ para o final, ele deveria estar no início. Mas será que lá na estrutura da sua língua materna, esse ‘daí’ não poderia vir no final? […] A nossa frase no português é formada por sujeito, verbo e objeto, em outras línguas é diferente”, frisou a linguista.
Ela afirma que o jeito de falar da personagem e de parte dos paranaenses não é errado, apenas diferente, demostrando, nas palavras dela, as “riquezas da língua portuguesa”.
“Nós não podemos dizer se isso é certo, isso é errado, isso é diferente e toda a diferença tem uma história. […] Essa fala tem raízes, ela não foi criada do nada e não é fruto de ignorância, não é fruto de mais ou menos escolaridade, mas é aquela carga que você traz e que você tem que trabalhar muito, para se adaptar à fala do outro”, explicou Vanderci.
3. Pato Branco e a receptividade com Maestrini, para eles, Bozena
Cidade de Pato Branco
Prefeitura de Pato Branco
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Pato Branco é de 91 mil moradores. Na cidade, Alessandra Maestrini tem título de cidadã honorária que recebeu em 2007 pelo destaque de Bozena.
O sucesso da personagem rende para a atriz, até hoje, inúmeras mensagens de pessoas agradecendo pelos momentos de alegrias proporcionados pela interpretação.
Nas redes sociais, ela também é lembrada em trechos compartilhados por internautas e que carregam diversos comentários saudosos, em especial, de pato-branquenses, que se orgulham em ter tido, em rede nacional, a oportunidade de ver “uma celebridade da cidade” que os representasse.
Entre os comentaristas assíduos, está Amanda Cristina Malinovski, 32 anos, nascida na cidade e que não perdia um episódio da série.
“Essa série trouxe um pouco do nosso sotaque, de uma forma engraçada e divertida, e que a gente não percebe no dia a dia como nosso sotaque é puxado, a gente percebe quando sai daqui. E o Paraná tem essa característica, quanto mais interior, mais puxado. É muito gostoso ter tido uma personagem que nos interpretasse deu uma forma tão gostosa. A gente levou muito na esportiva, deu muita risada. Nós realmente amamos a Bozena” ,afirmou Amanda.
Moradora de Pato Branco fala sobre carinho por Bozena e origem do nome da cidade.
O carinho de Amanda e outros moradores de Pato Branco é comprovado pela própria atriz. Maestrini contou que, em passagem recente pela cidade, durante a participação de um evento, se sentiu “Tieta”, em referência à personagem da novela de igual nome, sucesso da Rede Globo, no fim dos anos 1980 e que está sendo reexibida.
“A receptividade lá é assim, é meio a Tieta chegando, sabe? ‘Lá vem ela’. Ao mesmo tempo, tem uma coisa muito bonita e curiosa, que é uma sensação de convivência cotidiana. Fui comer em uma lanchonete, tinha um cara comendo e quando eu saí, passei por ele, que falou: ‘Oh, dona Bozena, como vai? Tudo bom?’. Me chamam pela personagem, mas é como se fosse o padeiro, o vizinho, como se me vissem todos os dias. É carinho imenso, uma alegria enorme, é uma honra, eu me sinto muito acarinhada, muito feliz, orgulhosa.”
4. Maestrini interpreta reação de Bozena se soubesse que é ‘famosa’
Atriz interpreta reação de Bozena se soubesse que é ‘famosa’
Antes de finalizar a entrevista ao g1 sobre a sua primeira grande personagem na televisão, Maestrini respondeu o que Bozena sentiria se soubesse que é tão querida pelo público.
Retomando a interpretação a personagem para dizer como ela se sentiria, Alessandra Maestrini se emocionou revivendo a empregada doméstica. Com mensagem de carinho e incentivo a sorrir, ela defendeu as gargalhadas e o amor que devem ser cultivados “com quem a gente ama, daí”. Assista acima.
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